terça-feira, 28 de agosto de 2012

EMANCIPADOS E MEDÍOCRES NA INTERNET: OS MEDÍOCRES S.A.

VII - EMANCIPADOS E MEDÍOCRES NA INTERNET: OS MEDÍOCRES S.A.





Houve um tempo em que as formas de saber e de poder ideológicas, principalmente nas sociedades capitalistas, eram utilizadas na manipulação da própria sociedade, especificamente no que diz respeito ao controle das massas.

Nesse tempo, os meios de comunicação eram restritos e controlados política e economicamente por grupos elitistas e pouco se falava em liberdade de imprensa. Não que as mídias de hoje não seja ideológicas.

O que se quer dizer é que, nas sociedades contemporâneas, os avanços tecnológicos permitiram a sociedade intensificar suas redes de contato, potencializando os mecanismos horizontais de comunicação, que, até então, eram política e ideologicamente verticais, isto é, de cima para baixo.

Todavia, é importante salientar que a ideologia do capital para a difusão dessas tecnologias está justamente centrada no caráter ideológico do capital de dizer que, juntamente com a aquisição dela, adquire-se também o saber.

Seguindo essa máxima ideológica, começou-se no meio pedagógico a se falar em tecnologias educacionais e, na sociedade como um todo, em divisão do poder, já que, mesmo sem se perguntarem quais saberes podem ser considerados poder, repetia-se e repete-se outra máxima: a de que saber é poder.

Antropologicamente, porém, sabe-se que não são somente as tecnologias que permitem aos homens se desenvolverem enquanto seres pensantes, mas, também o contrário: homens pensantes são capazes de desenvolver, de criar suas próprias tecnologias, assim como de criar outras tecnologias a partir das já criadas.

Nas tribos indígenas, por exemplo, instrumentos de caça, pesca ou para defesa do grupo, originavam-se da necessidade e traziam em si conhecimentos de física, matemática e muitos outros. O uso da tecnologia tinha um sentido, assim como a sua criação e aprimoramento.

As tecnologias, nesse sentido, como, por exemplo, o arco e flecha ou a lança, serviam para colocar o homem em sintonia com a sua capacidade de pensar. Eram a extensão do seu pensamento e, nesse sentido, facilitavam a sua vida sem, no entanto, paralisá-lo nem, tampouco, torná-lo escravo delas.

Nas sociedades tecnológicas do capital, confunde-se “saber” com “informação”. Saber é aquilo que gera possibilidades de ação pela reflexão, de apreensão e de criação também a partir das tecnologias, caracterizadas por um sentido; Informação, por outro lado, é um tipo de saber técnico, prático, informativo, como o dos manuais ou das receitas, isentos da necessidade e da capacidade de pensar, de analisar, de sintetizar, de comparar, de problematizar, de criar analogias, metáforas, caracterizados, única e exclusivamente, no desenvolvimento das capacidades de assimilar e reproduzir ou, então, de adquirir e agir, ou adquirir e comunicar, passar adiante.

A internet e suas ferramentas tecnológicas estão hoje a serviço não da difusão do saber, porque o saber continua elitizado, sistematizados nas grandes universidades.

A internet está a serviço da socialização da ignorância, na medida em que os grupos subalternos e excluídos do saber, iludidos de que informação é saber, interagem, sem o estabelecimento de um princípio básico: relações de confiança.

Na internet, na iludida busca do saber, os excluídos do saber estão dispostos a dialogar com qualquer um, sob qualquer pretexto, em qualquer lugar, sobre qualquer assunto, como se isso fosse um valor.

Nesta rede, neste tipo de rede, não está o saber, os peixes de quem pesca, mas o lixo que se joga no mar e que vem na rede.

O pescador que sabe que lixo não é peixe, que já pescou em outros mares e sabe o que é um peixe, logo procura outras águas, outros mares, outras fontes de saber.

Mas, imagine-se, por outro lado, um pescador que nunca viu um peixe, que nunca saboreou um, que não sabe distinguir informação de conhecimento, lixo de saber válido.

Mas a internet não só produz esse lixo. Ela reproduz o lixo da sociedade; Reproduz os valores, o lixo cultural da mediocridade, que, nesse sentido, não pode nem deve ser entendido como cultura, muito menos como cultura de massa, como dizem alguns, pois,“cultura”, antropologicamente, diz respeito aos modos de vida e manifestação de um povo.

Essa mediocridade não é o valor de um determinado e específico grupos social. Esse grupo de medíocres é constituído de indivíduos de todas as classes ou diferentes grupos sociais, mas que tem em comum, inconscientes de si e anonimamente uns dos outros, em síntese, os determinados valores abaixo, além dos já mencionados:

a) OS PRECEITOS MERITOCRÁTICOS E O INDIVIDUALISMO – Eles justificam a riqueza ou a pobreza a partir de questões especificamente individuais, de inteligência ou burrice, sorte ou azar, esforço ou preguiça, destituído das questões sociais, econômicas e políticas; Todavia, paradoxalmente, acreditam também que se alguém é muito bem sucedido é porque roubou de alguém ou desviou de algum órgão público.

b) ASSOCIAÇÃO DA ELEVAÇÃO DO PODER DE COSUMO AO SUCESSO PESSOAL.

c) TEM COMO ARQUÉTIPOS OS RICOS, AUTORIDADES, POLÍCIAIS OU BANDIDOS;

d) CONSOMEM OS VALORES DOS SEUS ÍDOLOS;

e) DÃO MAIS CREDIBILIDADE AS INFORMAÇÕES DIFUNDIDAS NA MÍDIA E NA INTERNET DO QUE A OUTRAS FONTES DE SABER.

f) COMUNGAM DA IDÉIA DE QUE FILHO DE PEIXE PEIXINHO É E QUE PAU QUE NASCE TORTO NUNCA SE ENDIREITA;

g) ACREDITAM NAS DIFERENÇAS DE INTLIGÊNCIAS ENTRE AS PESSOAS, OU SEJA, QUE ALGUMAS NASCEM MAIS INTELIGENTES QUE AS OUTRAS.

Esses valores da mediocridade, há tempos atrás, até poderiam ser compreendidos como ideologia. Hoje, eles estão cristalizados nas sociedades ocidentais capitalistas como uma espécie de camisa de força espiritual, como uma espécie de psique coletiva, como uma espécie de empresa, denominada, medíocres S.A, formada pelas médias sociais, pelas maiorias populacionais, que, mesmo inconscientes do poder da sua coletividade, ditam as regras.

Ditam o que fazer de toda a sociedade, como uma espécie de ditadura da mediocridade, utilizando-se, além de outras mídias, da internet.

Todas as mídias, hoje, na busca pelo ibope, todos os artistas musicais na busca pelo sucesso, todos os filmes na busca pelos sucessos de bilheteria, subordinam-se a ditadura imposta por ela.

No caso da política, não é diferente. Todas as políticas ditas públicas, tanto quanto as promessas de campanha obedecem a ela.

Chamam-na de povo. Todavia, enganam-se quem acha que os medíocres S.A sejam-no. O povo é formado por outro grupo:

1) Pelo grupo dos que não tem acesso à educação escolar além do ensino fundamental;

2) Pelos que não tem acesso direto e sistemático à internet;

3) Pelos que estão sem emprego formal, desempregados ou subempregados;



4) Pelos que ainda acreditam na escola como um mecanismo de ascensão social;

5) Pelos que estão excluídos, à margem da sociedade;

6) Pelos que não tem renda, nem como comprová-la, se acaso tivessem, para financiar a casa própria, carro e afins.

7) Os que se locomovem e dependem do transporte público.

8) Os excluídos que estão falidos com o nome no SPC e SERASA.

9) Os excluídos que são deficientes.

Aí está o povo. Não se pode e não se deve comparar o povo com os Medíocres S.A.

O povo são os excluídos sociais. Os que não cabem nessas sociedades. Correspondem aos dois bilhões de párias do mundo. Dos outros cinco bilhões, aproximadamente quatro bilhões formam os chamados Medíocres S.A.

Na Medíocre S.A, também existem elementos do povo, como de qualquer outro grupo social, mas ela não é o povo. Não deve ser entendida como o povo. O povo, como sempre, ao longo da história, não tem não tem voz nem vez.

Se, a voz do povo é a voz de Deus, a voz dos Medíocres S.A é a voz do leviatã, que se corporifica nas atrocidades do Estado, na obsolescência programada do capital, na catástrofe econômica mundial que se submete as pesquisas de mercado, tornando-se refém dessa casta de desumanos que cultiva e sistematiza a socialização ignorância, como se ela de fato merecesse ser louvada.

O principal objetivo de uma empresa S.A, é além de gerar lucro para os seus acionistas, perpetuar-se no mercado.

A Medíocres S.A. é de propriedade e também a única fonte geradora de lucro de todas as outras organizações lucrativas do capital, sejam elas públicas ou privadas do mundo.

Ela é S.A porque os que fazem parte dela são como sócios inconscientes do seu papel medíocre na sociedade e, nesse sentido, anônimos uns dos outros.

Mas há um paradoxo nesse direito de propriedade. A Medíocre S.A tem mais poder que os seus donos, mas não exerce, porque é, ao mesmo tempo, coletivamente mais ignorante que uma porta.

Nessa ignorância, os seus donos, ávido de lucro certo, submetem-se a ignorância dela, e cultivam essa ignorância como o valor de toda a sociedade, como uma espécie de corolário ético de Estado.

Todas as tecnologias, hoje, sem exceção, caminham no sentido da facilitação da vida humana, sendo entendida essa facilitação como uma espécie de subordinação do homem as máquinas. Os homens não pensam mais, dizem: as máquinas fazem tudo.

A medíocres S.A. clamam todos os dias por computadores mais potentes, por carros mais velozes, por eletro domésticos inteligentes, por celulares de última geração, por comida enlatada, por mídias espetaculares, por músicas com refrão repetitivos e sentidos antiéticos e imorais, por políticas de estado fantasiosas, por novelas que estereotipam preconceitos nos papéis sociais das personagens.

O problema da desumanização, da alienação generalizada, da sistematização da mediocridade como um valor da própria sociedade, não se resolve com o acesso dos excluídos a tecnologias de ponta, com o acesso dos excluídos a cursinhos à distância, com a sociedade pedagogizada, tecnologicamente, pela internet, sem que o ser, nessa interação tenha em si uma sólida formação cultural, tenha aprendido a aprender a aprender, tenha aprendido a pensar e não somente a aprender pensamentos.

Uma sociedade tecnologicamente pedagogizada, composta por excluídos do saber, em interação social, não promove diálogos epistemológicos, mas consome informação; não constrói conhecimento, mas socializa a ignorância; não caminha rumo ao conhecimento, mas cristaliza e sistematiza paradigmas; não se transforma nem transforma a sociedade; mas é transformado e aviltado, no que diz respeito à humanização, por ela, nos seus modos de ser, de agir e de pensar.

PS. CAPÍTULO DO LIVRO: EMANCIPADOS & MEDÍOCRES(240 PÁGINAS)

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